01 agosto, 2011

O CASAMENTO NA POLICIA (publicado em 21/06/2011)

Artigo de Luiz Carlos Saldanha Rodrigues (Fonte: Midia Max)
EMENTA: o crime de sedução previsto no art. 217 do Código Penal, foi revogado pela lei 11.106, de 28.3.2005. Antes mesmo de sua revogação a doutrina já recomendava a sua não aplicabilidade em face de sua inconstitucionalidade.

A história que vou contar hoje se passou lá pelos anos 60, quando a juventude brasileira embalada pelo rock and roll de Elvis Presley, Chuck Berry, Beatles e Rolling Stones, reproduzia esse novo gênero musical com letras ambientadas em cenários brasileiros, fazendo surgir o movimento que passou a se chamar “jovem guarda”, representado, principalmente, por Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderleya, Wanderley Cardoso, Jerry Adriani, Rosemary, Sérgio Reis, Os Vips, Golden Boys, Ronnie Von e muitos outros, os quais foram os responsáveis pela sedimentação do rock no País. Novos cantores e novas bandas surgiram por todos os cantos do Brasil, que levavam a juventude ao delírio ao som de “quero que vá tudo pro inferno”, “estrada de Santos” e o “calhambeque”.

Como sabem, sou filho de Amambai, e na minha juventude participei de alguns movimentos estudantis, inclusive emprestando forças para a formação da primeira banda musical da cidade. Seus componentes: Cairo um gaúcho que aportou naquela cidade trazendo consigo uma guitarra; Teodorico que, posteriormente, tornou-se professor de violão e que dominava o contrabaixo; Alcindido Lemes, o “Xote”, considerado o rei da bateria; Dilmar, o “Ferreirinho”, com sua gaita encantada; “Zé do Couto”, locutor e apresentador de um programa de alto-falantes; “Orlandinho” que aprendeu tocar violão em apenas 30 dias; e, como toda banda, também tínhamos o nosso vocalista, o Agamenon que quando imitava Roberto Carlos, levava as fãs à loucura.

Zé do Couto, apresentava a banda, anunciando: “com vocês “Os King’s Night”; “Xote”, arrebentava, com sua bateria; logo vinha o Cairo solando sua guitarra, seguido pelo contrabaixo do Teodorico; entrava o violão do Orlandinho; Dilmar, o “Ferreirinho”, abria o fole de sua gaita encantada e Agamenon completava, cantando: “era um garoto que como eu, amava os Beatles e os Rolling Stones”. O povo aplaudia em pé e a festa só acabava no outro dia pela manhã. Não demorou muito para que nossa banda se tornasse um sucesso absoluto.

Agamenon, o nosso personagem de hoje, durante o dia era mecânico de profissão, andava todo engraxado, usando macacão de alças sem nada por baixo e uma velha camisa feita de brim azul. Durante a noite, depois de lavar as mãos com gasolina para retirar a graxa acumulada consertando carros velhos, se transformava no Roberto Carlos, encantando as noites de minha cidade natal, cantando “calhambeque” e para delírio das meninas “quero que vá tudo pro inferno”. Era craque também quando imitava Elvis Presley e os Beatles. O nosso Roberto Carlos, tal como o rei, também, era assediado pelas garotas e foi numa dessas noites que, aconteceu o que já era previsível, não suportando o assédio da filha mais nova de um casal conservador daquela cidade, cujo nome não menciono para evitar maiores constrangimentos, acabou “ficando” com ela e diante das blandícias envolventes, acabou mantendo conjunção carnal com a mesma. No amanhecer do dia, a jovem loucamente apaixonada, mais pelo timbre da voz do que pela figura do vocalista da banda que era meio desengonçado e só cantava na penumbra para ocultar um pouco a feiura, levou a conhecimento do pai que havia sido seduzida e havia perdido a virgindade, cuja autoria imputava a seu galã, imitador de Roberto Carlos e exigia que o pai fizesse com que o mesmo reparasse o mal pelo casamento. Aliás, tal procedimento já havia sido adotado pela filha mais velha do casal e que só não deu certo porque a ordem de soltura foi obtida em 24 horas e porque o autor do mal feito, um jogador de futebol egresso de Assunção, comprovou que tinha sido o décimo primeiro dos atletas moradores de uma república a experimentar da fruta proibida e ainda, porque, acabou casando-se com outra fã que lhe assediava nos campos esportivos da cidade.

Coitado do pai, mal amanheceu o dia e já estava na porta da Delegacia de Polícia para denunciar o acontecido: o vocalista da banda havia seduzido sua filha, aproveitando-se de sua inexperiência e dela retirando a preciosa virgindade. O delegado, ávido por uma ocorrência daquele porte, não teve dúvidas, estava diante de um caso que exigia pronta e rápida intervenção da autoridade, era preciso prender o indigitado autor do mal feito para obrigá-lo a casar-se com a jovem, não só para reparar o mal, mas sobretudo para que a honra da família fosse restabelecida.

Pronto, lá se foi o nosso “Roberto Carlos” para a cadeia, de onde somente sairia se casasse com a vítima do nefasto crime de sedução. A cidade viveu momentos de profunda comoção, eis porque, o suposto autor do mal feito, embora mecânico e imitador de Roberto Carlos, era tido por um bom moço e que sempre se mostrava respeitador e incapaz de cometer um crime, ainda mais daqueles contra a liberdade sexual que, na época, era punido com pena de reclusão.

O crime de sedução que era previsto no art. 217 do Código Penal, seduzir mulher virgem menor de 18 e maior de 14 anos e ter com ela conjunção carnal, aproveitando-se de sua inexperiência ou justificável confiança, era punido com pena de dois a quatro anos de reclusão e o casamento com a vítima era causa de extinção da punibilidade, tal como constava do art. 107, VII do mesmo diploma legal. Os dispositivos posteriormente, em 2005, acabaram sendo revogados.

O delegado “Jacinto” interrogava o nosso ídolo local com todo rigor, advertindo-o de que a pena que iria pegar era de até quatro anos de reclusão e que somente o casamento com a indigitada deflorada, seria capaz de livrá-lo da cadeia. O interrogando resistiu heroicamente cerca de quinze dias de pressão por parte da autoridade policial, mas quando os métodos de interrogatório passaram para os “científicos”, ou seja, “pau de arara”, “palmatória” e outros mais convincentes, para se livrar das dores e humilhações, acabou por concordar com a imputação prometendo casar-se com a seduzida. Correu o edital de proclamas pelo prazo de 30 dias, no final do qual foi marcada a data do casório, onde o pobre coitado, agora reduzido a um Waldik Soriano, cantando: “eu não sou cachorro não”, compareceu escoltado e algemado perante o cartório. Ali já o esperava a seduzida que estava vestindo um longo branco e na cabeça um véu que era segurado por uma grinalda, acompanhada por toda sua família, alguns amigos e muito curiosos. O oficial do registro civil leu a ata e o Juiz de Paz, para cumprir a solenidade do casamento, indagava: “é da sua livre e espontânea vontade casar-se com a senhorita fulana de tal ?”. Nosso ídolo, depois de esperar por alguns segundos, criando um suspense, acabou pronunciado um NÃO, desajeitado, fazendo com que o Juiz de Paz encerrasse a solenidade dizendo: “acabou o casamento, podem se retirar e conduzam o noivo para a cadeia”. A noiva seduzida, se derramava em prantos e lágrimas, os pais tentavam conformá-la e os curiosos comentavam o acontecido e se encarregavam de propagar pela cidade que o cantor da banda havia se recusado a casar-se com a seduzida, talvez porque não fosse mais virgem.

Na delegacia, o delegado jogava duro com o nosso ídolo local, mandava cortar os seus cabelos, não permitia visitas, salvo o pai da moça a quem permitia que viesse fazer ameaças, caso se recusasse novamente ao casamento com sua encantada princesa seduzida. Vai daí, que o nosso vocalista, não suportando mais as ameaças do pai da moça e a pressão da autoridade policial, acabava por afirmar que agora concordava com o casamento. Novos proclamas e mais 30 dias de cadeia até chegar a nova data para o casório. Novamente a expectativa era criada e cada vez mais curiosos compareciam para ver se o “cantor” iria dizer o SIM ou se iria dizer o NÃO.

O nosso “rei local”, agora também tinha seus torcedores e até em maior número que os amigos da noiva. O “turco João” apostava cem contra dez, que o noivo iria dizer “não” novamente. Seu conterrâneo, o “turco Naamã” liderava as apostas dizendo que a resposta seria “sim”. Muita gente jogava e a bolsa das apostas já estava bem alta. Até eu, que não gostava muito de apostar, “casei dez pilas” na resposta negativa. Chegava novamente o noivo, devidamente escoltado e algemado e quando foi indagado pelo Juiz casamenteiro, sobre sua livre vontade, eu que estava postado bem na sua frente, querendo ganhar a aposta, balancei a cabeça de forma negativa e o pobre noivo não perdendo tempo foi logo dizendo, NÃO, frustrando todas as expectativas e novamente sendo levado para a cadeia, onde iria aguardar o processo para, talvez, provar sua inocência.

A família inconformada com aquela situação humilhante, agora não se conformava apenas com a cadeia que o pobre imitador de Roberto Carlos, poderia levar, queria mais, queria vingança e para tal foi contratar um conhecido e temido “Justiceiro”, remanescente do bando de Silvino Jackes, a quem seria confiada a tarefa de obrigar o pobre cantor a casar-se com a jovem seduzida e caso não concordasse, a morte seria o preço pela desonra da jovem e de sua família.


Os integrantes da banda, inconformados com o infortúnio do vocalista, procuraram o presidente da Associação dos Estudantes Secundários de Amambai (AESA) e que, por acaso, era o autor deste conto, alegando que além de vocalista, também era estudante e merecia a proteção daquela associação, tal como era enfatizado no seu estatuto. Na época eu trabalhava em um cartório e já tinha algumas noções de Direito e sabia que a prisão era ilegal, quando não era efetuada em flagrante ou por ordem escrita de autoridade judiciária, razão pela qual, procurei o escrivão de polícia, meu amigo Alfredo Mariano, um paulista que ancorou seu barco nas barrancas do Rio Paraná, vindo para minha cidade a fim de concluir os ensinamentos básicos e que, algum tempo depois voltou para a capital paulista, onde cursou direito na PUC, ingressando por concurso público de provas e títulos na carreira do Ministério Público do Estado de Goiás, onde se aposentou como promotor, radicando-se no interior daquele estado, mas que, jamais perdeu os laços com a nossa cidade e todos os anos aparecia por lá e por aqui para rever os amigos. Pois bem, foi ele quem me forneceu uma certidão afirmando que não tinha sido lavrado nenhum flagrante contra o indigitado imitador do rei Roberto Carlos e muito menos a prisão tinha sido efetuada por ordem de autoridade judiciária pressupostos para uma prisão ser legal.

Agora o nosso ídolo não estava mais só, porquanto passou a ter a proteção de alguém que, se não era advogado, tinha vocação para essa atividade e, sem dúvida, seria colocado em liberdade, mediante o remédio heróico denominado “habeas corpus”, cuja garantia constitucional, em que pese a revolução de 64, continuava em vigor e era eficaz para por fim a qualquer constrangimento ou ameaça de constrangimento à liberdade de ir e vir de qualquer cidadão.

Na delegacia, aproveitando a ausência do delegado, o escrivão Alfredo Mariano, também sabedor de que a prisão se revestia de ilegalidade, permitiu que eu falasse com “meu cliente”. O pobre estava abatido, maltrapilho, com os cabelos cortados de forma desalinhada e ao me receber, se derramou em lágrimas para, por fim, acolher as minhas orientações: na nova data que seria marcada para o casamento deveria repetir o seu, NÃO, dando tempo para que “habeas corpus” fosse despachado pelo Juiz de Ponta Porã, o qual respondia pela recém criada Comarca de Amambai: “Aguenta firme colega (ambos éramos estudantes), não tenha medo porque logo o juiz vai mandar te soltar”. Ao sair, “meu cliente” estava mais conformado e havia me prometido que novamente iria bradar um, NÃO, e que desta vez seria definitivo. Como ele não tinha dinheiro para as despesas, procurei o “Turco João” e apostei mais vinte contra duzentos que a resposta seria negativa.

Elaborei uma petição de “habeas corpus”, cujo modelo me foi passado pelo advogado criminalista Giordano Neto, um dos maiores tribunos do Júri deste Estado e que esteve na minha cidade participando do primeiro julgamento popular, cuja história, contarei numa outra oportunidade e juntando a certidão que me foi passada pelo escrivão Mariano, distribui o remédio heróico.

O “habeas corpus” era processado no cartório do 1º Ofício, onde trabalhava meu primeiro orientador jurídico, Ramão Trindade, pai do meu afilhado Adilson Trindade, brilhante advogado e jornalista do Correio do Estado. Os primeiros despachos eram exarados pelo Juiz de Paz e a decisão proferida por um Juiz Togado (Juiz de Direito), quando a Comarca estivesse desprovida de titular. Assim por orientação do meu compadre Ramão, fiz carga do processo e lá me fui à procura do Juiz titular da Comarca de Ponta Porã. Depois de passar pelo crivo do Dorvalino, uma espécie de assessor e que ao me conduzir até a presença daquela autoridade judiciária, me dizia “tome cuidado, não chegue muito perto, o homem é uma fera” e abrindo a porta e me anunciou para o magistrado. Temeroso adentrei na sala das audiências, no piso superior do fórum da Rua 7 de Setembro daquela Comarca, onde fui recebido pelo temido e carrancudo Juiz Athayde Nery de Freitas, hoje Desembargador Aposentado, com quem tive o prazer e a honra de trabalhar, tempos depois, já aqui em Campo Grande, onde vim descobrir que “o leão não era tão bravo como pensava”. Naquele dia certamente ele estava de bem com a vida, eis que me recebeu com um largo sorriso, tratando-me com tanta delicadeza e respeito que, ao deixar o seu gabinete eu já estava decidido: um dia seria também um Juiz para ser igualzinho a ele. Pegou o processo, leu os fundamentos da impetração e examinou os documentos juntados e proferiu a decisão concedendo a ordem, mandando soltar o nosso Roberto Carlos, se por outro motivo não estivesse preso e ainda mandando servir de mandado a própria decisão que havia exarado.Tudo pronto, mas quando procurei a rodoviária para pegar o ônibus de volta, o mesmo já havia partido e embalde os meus acenos na beira da rodovia para pegar uma carona, tive que pernoitar naquela cidade para, no outro dia por voltas 14:00 horas pegar a condução que me levaria de volta, quando então, em cumprimento a ordem judicial, seria colocado em liberdade o pobre e infeliz vocalista e imitador de Roberto Carlos.

Mal sabia eu que naquela manhã, nosso ídolo local, meu colega estudante e meu “cliente”, seria novamente, encaminhado para o cartório, devidamente algemado e escoltado para que se efetivasse o casamento que iria lavar a honra da jovem seduzida e de seus familiares. Todavia, ele estava bem orientado e se isso acontecesse o combinado é que iria dizer, NÃO, novamente e não tardaria para ser colocado em liberdade. Ao sair da delegacia, ainda foi abordado pelo escrivão Alfredo Mariano que embora funcionário da polícia, tinha espírito legalista e não concordava com o chamado “casamento na marra”: “não case, diga, NÃO, que você vai ser solto pelo juiz”.

Pobre do nosso cantor, não contava e nem eu, com a presença do justiceiro “Crespo”, figura bizarra, que vestia uma capa preta, usava botas e esporas com rosetas largas e tinha na cabeça um chapéu de abas largas e que andava de um lado para outro, sempre arrastando as esporas no assoalho, fazendo um barulho como se quisesse chamar a atenção das pessoas. Por de baixo da capa, dizem, sempre trazia um revólver calibre 44 e uma escopeta “papo amarelo”, armas que naquele dia seriam usadas caso o indigitado noivo não reparasse o mal pelo casamento.

Meu protegido estava firme no propósito de não casar, mas quando viu a presença do justiceiro, começou a tremer parecendo que estava com maleita e como diria o Divo: “estava no mato sem cachorro”. Já não prestava mais atenção nas palavras do Juiz de Paz e sim no barulho das esporas do “Crespo” e ao ser indagado se era de sua livre vontade o casamento, quem respondeu foi o justiceiro que havia se postado bem atrás do pobre e infeliz noivo- “se falar, “não”, não “veve” mais um minuto na “facie” da terra”. O pobre noivo não pensou duas vezes e já foi dizendo, SIM, fazendo com que o juiz casamenteiro o declarasse marido da seduzida.

De volta na minha cidade, encharcado de vaidade por ter conseguido uma decisão judicial concessiva do “habeas-corpus”, fui procurar um oficial de justiça para cumprir a ordem de soltura. Já na delegacia fiquei sabendo que o pobre do vocalista mediante a ameaça feita pelo justiceiro “Crespo”, acabou concordando com o casamento.

Esse foi o mais perfeito “casamento na marra” ou “casamento na polícia” que se teve notícia por aquelas bandas.

E o que é pior, eu acabei perdendo o dinheiro da aposta. O nosso cantor, antes de abandonar a cidade, contou para os demais integrantes da banda sobre as torturas e suplícios que havia passado, sendo certo que, os mesmos, assediados pelas fãs foram se casando independentemente de qualquer pressão da família ou da autoridade policial. Assim foi com o guitarrista Cairo que assediado por minha prima Sonia, uma linda morena de olhos verdes, com ela casou-se, dizem, “de livre e espontânea vontade”, e abandonando a velha guitarra, foi procurar ouro na Serra Pelada; foi assim também com o acordeonista Dilmar, o “Ferreirinho”, que assediado casou-se com Sandra outra das minhas lindas primas e abandonando a gaita encantada, foi ser prefeito de um município do Estado do Amazonas. “Zé do Couto”, o apresentador, preferiu largar tudo e mudar-se para Rondonópolis, onde é funcionário público; “Xote”, o baterista, assediado por uma fã mais velha, casou-se, vendendo a bateria e mudando-se para Dourados onde mora até hoje, sendo considerado o “rei da gaita de boca”; “Orlandinho”, o rei do violão, irmão do meu amigo Ramão Elemar, hoje advogado militante em Amambai, também irmão do cabo Ivo, aquele que inventava disco voador e do Coronel Walmir dos Santos, também abandonando a banda, foi para o Rio de Janeiro de onde só voltou depois de ter certeza que não mais seria reconhecido pelas fãs. O único que nunca foi assediado foi o “Teodorico” que era uma mistura de feio com horrível e que, embora mestre no contrabaixo e no violão, sentindo-se “peregrino” na cidade, por muito tempo embrenhou-se nas matas, trabalhando como cozinheiro de contrabandistas de café, “comendo o pão que o diabo amassou”, até que prescrito os crimes, retornou para a cidade, onde até hoje é professor de violão.



Assim, a banda que era um sucesso, foi desfeita pelo assédio das fãs e pelo incomodo “casamento na marra” do nosso vocalista Agamenon que não suportando a “pressão” da autoridade policial e as ameaças do “Justiceiro Crespo”, acabou concordando com o casamento que nunca se consumou.



Muito tempo depois, tal como havia profetizado, fui ser juiz em Ponta Porã, ocupando a mesma sala onde, pela primeira vez me deparei com um Magistrado Togado e sabendo que Agamenon ainda vivia naquela cidade, num final de expediente, encomendei uns salgadinhos, uma torta e refrigerantes, coloquei um violão num canto e mandei trazer o desafortunado vocalista que, quando viu a festa organizada para ele, começou a chorar, me abraçando demoradamente sem conseguir pronunciar uma só palavra. Antes de sair da sala, agora já recomposto, pegou o velho violão e foi cantando a canção que havia lhe emprestado forças para suportar os momentos de angustia e solidão por que passou, nos quase cem dias que permaneceu preso na cadeia pública de minha cidade: “Jesus Cristo! Jesus Cristo! Jesus Cristo eu estou aqui- Jesus Cristo! Jesus Cristo! Jesus Cristo eu estou aqui- Olho na terra e vejo uma multidão que vai caminhando- Olho no céu e vejo uma nuvem branca que vai passando- Como uma nuvem branca essa gente não sabe onde vai- Quem poderá dizer o caminho certo é você meu pai- Toda essa multidão tem no peito amor e procura paz- E apesar de tudo a esperança não se desfaz- Olhando a flor que nasce no chão daquele que tem amor- Olho no céu e sinto crescer a fé no meu salvador- Jesus cristo! Jesus Cristo eu estou aqui! Em cada esquina vejo o olhar perdido de um irmão- Em busca do mesmo bem nessa direção caminhando vem- É meu desejo ver aumentando sempre essa posição- Para que todos cantem na mesma voz essa oração- Jesus Cristo! Jesus Cristo eu estou aqui. ” Ao se despedir, ainda limpando as lágrimas do rosto, com a voz um pouco embargada, disse: “não sabia que juiz também era gente”.


obs: qualquer semelhança é mera coincidência.

Autor: Luiz Carlos Saldanha Rodrigues.

Juiz de Direito Aposentado e advogado criminalista.



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