14 setembro, 2006

A CPI DE QUEM SERVE A DOR PÚBLICA

Quando Guimarães Rosa escreveu: “O real não está na saída nem na chegada; ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”, talvez ele quisesse interpretar a milenar poesia chinesa “A alegria dos peixes”, que nos ajuda a conhecer melhor a visão do mundo dos entes com quem convivemos. Na poesia Chuang diz a Hui: “Veja como os peixes pulam e correm tão livremente: Isto é a felicidade”. Hui responde: “Desde que você não é peixe como sabe o que torna os peixes felizes?”. E Chuang respondeu: “Desde que você não é eu, como é possível que saiba que eu não sei o que torna os peixes felizes?”. Hui argumentou: “Se eu não sendo você, não posso saber o que você sabe, daí se conclui que você, não sendo peixe, não pode saber o que eles sabem.” Chuang, respondeu magistralmente: “Conheço a alegria dos peixes no rio, através da minha própria alegria, à medida que vou caminhando à beira do mesmo rio.”

Chuang Tzu tinha razão, somente haveremos de saber o que o outro sente se nos colocarmos, abstratamente, no lugar do outro. No meu cotidiano de advogada sempre busquei explicar às pessoas que recebem uma ordem judicial para prestarem um depoimento, seja como réu, seja como testemunha que em ambos os casos é importante comparecer perante a Justiça, pois se réu e inocente, será a grande chance de provar sua inocência, se testemunha, tamanha sua importância como auxiliar da Justiça, desde que fale a verdade, que nunca entre no mesmo diapasão do trabalho mental do acusador, e que não passe a ter devaneios persecutórios, ou seja, desde que não se coloque como acusador, pois cada um tem o seu papel a cumprir.

Pois bem, ao receber a convocação assinada pelo Presidente da CPI do Previporã, vereador Dr. Antonio Carlos Siufi Hindo, com o seguinte texto: (A Comissão Parlamentar de Inquérito, instaurada para averiguar irregularidades e eventuais desvios de verbas no Instituto de Previdência Social dos Servidores Públicos de Ponta Porã – PREVIPORÃ, no uso de suas atribuições legais, resolve convocar a Sra. Elis Franco, para comparecer no dia e hora abaixo designado, a fim de prestar esclarecimentos sobre fatos diretamente relacionados com matéria objeto da investigação. Sua presença será importante para elucidação dos fatos. Informamos Vossa Senhoria que caso não compareça, a Comissão se valerá dos meios legais coercitivos. Dia 31 de outubro de 2005. Local: Plenário da Câmara Municipal de Ponta Porã. Hora: 14:15horas.) me alegrei com a possibilidade de auxiliar à Justiça, pois uma CPI, tem poderes equivalentes ao Judiciário, me alegrei mais ainda com a homenagem que me dirigiu o Vereador Dr. Hindo em nome de todos os funcionários públicos, na sessão de quarta-feira passada.

Porém, só me dei conta do alcance emocional de uma CPI, quando alegremente contei à minha mãe que irei depor. Naquele momento, de alegre testemunha de fatos que nada vi e nada posso falar, me transformei em personagem de CPI, pois minha mãe que não é advogada e pouco sabe a respeito de uma Comissão Parlamentar de Inquérito me perguntou por que razão irei depor? Que é que eu fiz?

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito serve para apurar fatos. Não sou ré, tampouco testemunha, posto que nada testemunhei, mas sou parte interessada e hoje no dia dedicado ao Funcionário Público me sentei frente ao computador para esclarecer aos meus leitores e aos meus colegas servidores públicos que ao contrário do que disse o vereador João Lange, na última sessão da Câmara, num pronunciamento esdrúxulo, (afirmando que nós não poderemos resgatar o dinheiro que, supostamente, desapareceu dos cofres de nossa previdência, pois o que passou, passou, além do que o valor é tão alto que daria para comprar muitas cestas básicas) que o mesmo está enganado, pois podemos sim ver a restituição do dinheiro do PREVIPORÃ, é isso o que primordialmente queremos.

Nós servidores públicos não queremos punir ninguém, a Justiça fará a parte punitiva. Nós servidores públicos queremos o nosso dinheiro de volta e é possível resgatá-lo, basta que cada um faça a sua parte e que se coloque pelo menos uma vez em nosso lugar. São muitos anos dedicados ao serviço público e contamos com esse dinheiro para nossa velhice. Achem os culpados, bloqueiem suas contas bancárias e tornem indisponíveis seus bens, depois levem a hasta pública e com o produto resultante da venda no leilão, nos devolvam nosso dinheiro, porque não queremos servir de mártires. Mártires não somos. Não queremos servir de acusadores, porque também não somos. Não queremos servir para produto de marketing de vereadores, queremos apenas continuar nossa vida servindo à população, como a palavra que nos designa já diz
Servindo a Dor Pública.

* Advogada filiada à ANPM (Associação Nacional dos Procuradores Municipais), articulista do Jornal da Praça e Funcionária Pública Municipal admitida por intermédio de concurso público de provas e títulos. Email: elizjpp@hotmail.com e elizsaldanha@terra.com.br

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