05 setembro, 2011

Artigo de Luiz Carlos Saldanha Rodrigues

Socorro! Querem assassinar o júri.


Hoje ao chegandoaomeu escritório tomei conhecimento que, em Campo Grande,será realizado o primeiro júri virtual do Brasil. Procurei, rapidamente, tomar conhecimento sobre a notícia avassaladora. Máquinas substituirão o processo tradicional. Os Jurados, se desejarem, poderão consultar um notebook, onde estarão armazenadas as principais peças do processo. No plenário, um telão, exibirá simultaneamente a peça, cuja referência esteja sendo feita pelo Presidente do Júri ou pelas partes. Quase enfartei, tamanho foi o susto que levei. Querem assassinar o Júri Popular!
Pobre do Júri que já agonizava, agora receberá logo aqui, em Campo Grande, talvez o último golpe para que possa cair e morrer. Todos nos sabemos que os Juízes Togados não são amantes do julgamento popular.Pelo contrário, muitos deles, são adeptos da tese que sustenta a sua extinção, e,dizem :“o Júri é um teatro.”

O assassinato, planejado não se sabe por quem, mas que será executado pelo titular do 2º Tribunal do Júri da Comarca de Campo Grande, não teve sequer a participação de um representante dos advogados e nem do povo, os quais foram convidados apenas para assistir ou para testemunhar, como se fosse a execução de uma pena de morte.

O meu grito pedindo socorro encontrou eco nas palavras do Promotor de Justiça paulista, Edilson Mougenot Bonfim, quando escreveu sobre a instituição destinada ao julgamento do povo, onde já afirmava o deliberado propósito de matarem a instituição de forma lenta e progressiva.
Para ele, somente os que não entendem a essência da instituição é que podem achar que o Júri é um teatro. O Júri inteligente, na afirmação desse extraordinário representante do Ministério Público Paulista, de decisões verticais, construtor de exemplos, argamassado na fé dos que comungam a hóstia da verdade sob os cânticos de versículos da lei, é um sacrário. Não um teatro. Seus defensores são templários, peregrinos devotos de uma causa santa. Se é teatro, não é de falsa encenação; jamais de hipocrisia,nunca de mercancia. Teatro? Somente na saudável acepção da palavra, quando competentes humanos vivam necessários papeis porque neles legalmente investidos. O advogado- vinculado pelo contrato que o une ao réu- além do direito,evoca e interpreta as dores do acusado; a aflição da família; a caridade, o perdão, a questionada falência da prisão. O promotor tem seu script: a defesa da sociedade,interpreta a vontade da justiça pública, da conveniência da coletividade, da aplicação da lei, da utilidade da pena.

Estou pedindo socorro, não apenas por mim, mas por Carlos Gilberto Gonzales, Giordano Neto, Waldir Troncoso Peres, Jorge Antônio Siufi, Walter Garcia, Odir Vidal, Ari Fonseca, Lauro Machado, Evaristo de Moraes, Carlos de Araújo Lima, Roberto Lyra, Magarinos Torres,Cordeiro Guerra, Evandro Lins e Silva, Romeiro Neto e muitos outros que se foram levando consigo o ideal de um Júri respeitado, soberano, expressão máxima da democracia judicante. O Júri não pode ser banalizado, aviltado, não só porque representa uma instituição secular e nem porque foi a trincheira avançada em defesa do Estado de Direito e Democrático. Na porta do Tribunal do Júri chegaram os soldados comandados pela revolução de 1.964, mas não tiveram coragem de pisar no chão sagrado das liberdades humanas, na expressão de Abel Rezende, um dos grandes tribunos com quem tive a oportunidade de dividir memoráveis julgamentos populares. Ali os advogados se entrincheiravam para contra-atacar as violências cometidas contra colegas e contra a sociedade. Muitos tombaram. Mas do lado de fora. Dentro eram intocáveis, estavam protegidos pelo manto sagrado dessa instituição que ao longo do tempo vem sendo atacada. Primeiro eliminaram os seus símbolos, depois as vestimentas, por último, atacaram o formalismo, eliminaram recursos, forma de questionamento, tudo a pretexto de simplificar e agora a estocada final, querem eliminar o processo, passando para máquinas. É a morte, morrida de forma agonizante. Tudo em nome da informatização.

Concordo, o Júri é uma instituição que precisa de um ou outro ajuste, como já dizia Mougenot, porque a vida é um constante processo de aperfeiçoamento. Mas não pode ser banalizado em nome de uma aparição pública e nem pelo estardalhaço da notícia: CAMPO GRANDE REALIZARÁ O PRIMEIRO JÚRI VIRTUAL DO BRASIL.

O Júri, portanto, está na iminência de receber a última facada e vai morrer aos poucos, porque logo, a pretexto de que o réu é portador de alta periculosidade, evoluirá para o “júri à distância”, e ai sim, Carlos Gonzales, Giordano Neto, Waldir Troncoso Peres, Jorge Antônio Siufi, Walter Garcia, Odir Vidal, Lauro Machado, Ari Fonseca, Evaristo de Moraes, Carlos de Araújo Lima, Roberto Lyra, Magarinos Torres, Cordeiro Guerra, Evandro Lins e Silva, Romeiro Neto e muitos outros, descerão das alturas e virão em socorro de nós, que ainda habitamos a terra, para travarmos a batalha final em defesa desta instituição.

Salvem o Tribunal do Júri. Não o deixem ser assassinado!

Autor: Luiz Carlos Saldanha Rodrigues.

Juiz de Direito Aposentado e Advogado Criminalista.

sace.saldanha@yahoo.com.br

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